sexta-feira, 25 de maio de 2012

AMIZADE, CUIDAR COM AS MÃOS

O floricultor é capaz de plantar, regar e cuidar; ele não sabe se vai vender, apenas se conforma com a realidade de que pessoas gostam de flores. Mas ele, as ama, porque as conhece. O perfume, a maciez, a doçura e cada espinho; consegue conviver por causa da alegria, gentileza e os mais sinceros sentimentos, que só as flores podem transmitir.
Que sejamos assim, mais do que amigos e, melhores do que irmãos.

terça-feira, 22 de maio de 2012

O EXERCÍCIO DA BONDADE

Não havia como esconder aquela beleza. Por onde passava, Richard, chamava atenção. Num país trigueiro, cheio de caboclos e cabrochas, logicamente suas madeixas, lisas e loiras, a cortinar seus olhos azuis; que gritavam, agitavam a todos nas ruas, lojas e adjacências.

As moças suspiravam, e as mulheres disfarçadamente se abanavam com seus leques na confiança de refrigerarem os seus pensamentos. O moço parecia andar em outro mundo; claro que gostava daquele assédio, amava ser o centro das conversas. Com aquele corpo juvenil, definido e não malhado, pois  não cultuava-o. O coração carecia de algo, e Richard não se preocupava.

Nas ruas centrais, fileiras de crianças solícitas, Richard seguia em frente. As vezes, achava tempo para namoricos descompromissados. Em sua vida, havia uma só coisa importante: ele.

No entanto, aproveitando a vida à sua maneira, o tempo, o mau e bom tempo, o fez refletir. Perdurava seus olhos azuis, lindos, enfraquecidos pelos anos. Os cabelos loiros, que rivalizavam com o sol, embranqueceram. Rugas marcavam o que antes fora macio. Uma coisa imutável, ele ainda era considerável.

Ao passar pelas ruas, chamava atenção, parecia ser o centro das atenções. As moças suspiravam, as mulheres abanavam-se, a motivação era contrária a primeira; por forte dó da sorte que lhe sobreveio na vida. Aquele corpo sustentado por uma cadeira de rodas, dependia de Jacinta; não era bem afeiçoada, mas de tamanha generosidade. Bondosamente cuidava dele. Providenciava banhos, refeições, entretenimentos, roupas; quanto mais fazia, mais parecia fazer.

Certa vez, a trigueira Jacinta, ao fazer sua barba, o elogiou dizendo que provavelmente foi uma pessoa boa na vida, e que agora Deus o estava recompensando. O azul vira mar, a bomba interna acelera, bate mais rápido, e o balançar da cabeça afirmativo, acompanhado pela rouca voz:
EU SOU...

domingo, 6 de maio de 2012

Prazer! Sou Antonio...

Céu cinzento, sol guerrilhando para brilhar; vastos arranha-céus, imponentes, cartão de visita daquela paulicéia desvairada, patente de  um de seus mais destacados filhos. Quem incessantemente beleza almejar,  a majestosa metrópole adornada estará, ricos canteiros, inúmeras praças, parques, museus, pinacotecas, teatros, casas de show e afins.

O maluco trânsito carregado pelos milhares de automóveis e, sobrecarregado por uma poluição advinda de diversas fontes, entre elas, os escapamentos automobilísticos. Engana-se quem duvide de como viver entre tal despropósito. As testemunhas aladas, multicores, orquestrando os mais vívidos cantos é uma boa resposta. Os munícipes com as reclamações nas pontas das línguas, pois querem vê-la melhor, em hipótese alguma, a deixam de amar.

Pessoas gordas, magras, altas e baixas, fazem-na sentir apertada, sisuda e ainda amada. Seus pedintes, de carro em carro, semáforo em semáforo, rua em rua, casa em casa, reforçam-na com seu colar de misericórdia e abraços de oportunidade. A incansável selva de pedra encontra tempo para crescer sem nunca dormir. Que encantável descrição da quatrocentona senhora, que muitos a tem como noiva.


O PROTAGONISTA

Nos concentremos em um de seus moradores, quem sabe o menos notado. Senhor Antonio Gracioso Santos e Silva, residente no bairro de Itaquera; mas isto, diz ele em tom de prosa, puxando uma conversa demorada, mania de quem vive sozinho, uns trinta anos atrás não tinha nada. Minha casa parecia uma tapera. Puxa a respiração com seu longo nariz, auxílio imediato para não desfazer a conversa. E o senhor onde mora?. Independente da idade, raça, situação financeira e o que você imaginar, sr. Antonio chama a todos de senhor.

Deve ter tido boa educação, uma família respeitosa; mas a pura verdade é que fora abandonado em um orfanato, passou os dias olhando para a porta da adoção, como denominou a porta da assistente social.


O ORFANATO


Entre os muitos meninos internados, tinha um camarada de nome Daniel, como também foi abandonado na porta da instituição, o juiz decretou que seu nome seria Daniel de Tal; já no caso de sr. Antonio, a mãe teve o cuidado de deixar a certidão de nascimento; a incessante procura pelos órgãos responsáveis, a encontrara morta, numa favela, como que abandonada. O pai já havia falecido, pois era alcoólatra e a mãe, das constantes idas e vindas ao médico, não lhe detectaram o câncer no ovário e nos seios.

Por isso, Antonio e seu amigo e irmão Daniel, o Zinho, ambos negros, o que atrapalhava uma adoção, foram ficando e se apegando. Ambos magros, da mesma idade; Zinho, sério e com ar de tristeza; Totó, como era chamado somente por Daniel, e ai de quem ousasse, recebia um belo soco, era sorridente e de tudo achava graça.

Lembra que houve um ano em que, aos treze de idade, dos noventa e oito internos, noventa e dois foram adotados; ficou sabendo que alguns foram morar na Itália, França, Alemanha e Estados Unidos. Foi um dos dias que não achou motivo para sorrir, mas Zinho se acabou de tanto rir. Falava a Totó que sobraria mais comida, aquela comida especial de fim de ano; vamos ficar com uma cama só pra nós, não precisaremos entrar aos vinte no banheiro e roupas, as roupas mais bonitas agora são nossas, merecemos, somos os veteranos da casa. Em meio as gargalhadas de Zinho, descia uma lágrima de Totó. Não por que queria, ele já aguentara treze anos sem família, podia aguentar outros treze ou mais. A lágrima estava sensibilizada por ele.


O SORRISO


Tomou consciência, se alguém não lhe queria, a vida tinha oportunamente aberto espaço. Se apegou aos seus pensamentos mais íntimos, ao âmago, sorridente inabalável, nada e circunstância alguma, conseguiria acabar com seu bom humor. Percebia que ao tratar outros respeitosamente, granjeava o respeito, assim passou a tratar a todos de senhor e senhora.

Naquele puxar de conversa: E o sr., onde mora? Os blá-blá-blás se estendiam até a chegada do ônibus ou saída furtiva de seu ouvinte. Antonio não se abatia com aquelas situações e o sorriso permanecia em seu rosto, era sua marca registrada. Havia quem lhe emprestasse os ouvidos por horas, pois cá entre nós, o homem era desenvolvido na fala, quando entrava num assunto, dissertava muito bem.

Dona Armênia Kessedjian, professora de línguas aposentada, deixava espalhar suas virtudes após cada conversa. Dizia ela, não perca tempo homem, há os que sabem menos e estão em melhores posições. Não se contente com menos. Um caminhão grande precisa ocupar todo espaço, se não desperdiço. Sempre finalizava com sotaque mais carregado do que quando iniciava a conversa. No entanto, seu Antonio ria e pensava: Dona Armênia sempre querendo me motivar.

O curioso em seu Antonio é que pouco estudara, em virtude das exigências, que de passagem, ferinas, da vida, lhe roubaram os louros. Mas ele sorri. Vez por outra, recorda o negro bonito, de sua escola de madeira, simples, pintada de azul, era azul forte, bancos e mesas para dois em dois, boa ventilação, assoalho também de madeira. A professora brava. Parecia que quanto mais a pele fosse escura, mais reguadas com força recebiam. Foi lhe dada a alcunha de Mercedão. Era gorda, baixa, voz rouca de muito fumar; ao falar parecia que chamava alguém pra briga. Alto e grosso era o som que provinha daquela boca, boca de lábios grossos, com pelos no buço.

Diz Antonio não ter conhecido professora boa, pois conhecera Mercedão, Mercedes Gomez, descendente de espanhóis, enchia a boca para falar de sua genealogia, nisto era amável. Ao cumprimentar com bom dia, boa tarde ou noite, não se distinguia se xingava ou o mal-humor imperava. Antonio se tornou doutor, recebeu seu diploma, memoravelmente, aos dez anos não precisa mais de ensino! Conversava com Cacilda Ketlen Ahia, senhora, presidente da instituição, que queria trabalhar, não via futuro nos estudos, queria ser mais pragmático. Sem pestanejar, as cãs, olhos certeiros de condenação, alma aliviada por menos um; autoritariamente o mandou para cozinha. Quem sabe alguma serventia produzirá. Desculpas ao telefone, a cadeira gira e de costas, com a costa da mão direita, ordena que vá.

Totó, que importante não se achava, agora menos ainda,caiu num poço mental de total insegurança. Meditou a passadas apressadas rumo à cozinha, com a imagem da senhora idosa, magra bem vestida, ouro enfeitando o busto, orelhas, anéis majestosos, que considerava mais importante o negro, sim o telefone preto do que ele. O coração batia mais depressa, parou na porta da cozinha. Olhou para Dona Dirce, merendeira, preparando as refeições com xingamento. Do outro lado, estava Maria José, outra negra, mais velha que a primeira, sorridente, preparando o suco. Caldeirão de alumínio, servido, aspirando Antonio.

Dona Dirce, neste mesmo momento amaldiçoa a velha administradora e o menino, e não pára, é uma repetição, talvez para convencê-la de que certo, tem razão.


O CASARÃO


Naquele velho, mas limpo casarão, Antonio passou bons momentos. O nobre casarão, havia servido um Conde italiano, renomado em São Paulo, capital, cuja ação benemérita, ajudou os internos. Mesmo após, sua morte, a nobreza italiana o sustentara por muitas décadas, como fez com as demais propriedades.

Em estilo Florentino, que denunciava a quantas de sua existência entre as edificações mais novas. Era aconchegante, sabia Antonio, mas tinha também, um lado frio, sombrio. Nas dependências que eram denominadas por alas, uma Antonio não queria voltar. Aconteceu num determinado dia, num ato de súbita loucura, derramou os caldeirões quentes de alimentos; quebrou muita louça, sentia se libertando de todas as injustiças, gritou, gritou mesmo, até ficar rouco.

Dona Cacilda presenciava a cena em atuação já avançada; foi informada por funcionários sobre o ocorrido. Olhou com toda a fúria que sentia: Basta! Para o subsolo. Dois funcionários o imobilizaram. A idosa tremulante de raiva, disparou a falar muito alto. Ninguém almoçará hoje. Agradeçam a Antonio. Sabe quando você sairá daqui pra adoção? NUNCA!, e risos escancaram a face séria. Levem-no daqui.

Antonio que se acalmara, continuava sorrindo, fitando os risos e gargalhadas dos funcionários, sendo arrastado ao subsolo, ri-se o mais alto que pode, ironizando seus antagonistas.


O LADO MAIS ESCURO DA VIDA


O subsolo é frio, fétido, os raios de sol nem aparecem por lá. Ouve-se passos fortes que se intensificam ao se aproximar. Indelicada, fria, com orgulho ferido, faz Totó sentir-se pior. O menino encara-a sorridentemente, abaixa a cabeça e o sorriso permanece, a velha diretora sai, nas escadarias assobia para esquecê-lo.


O ACONCHEGO


O lado  aconchegante estava ligado a Maria José, a negra sorridente de alma pura. Mazé como é conhecida, já o havia adotado de coração; era semianalfabeta, mas o aconselhava como mãe experiente, gostava dele sempre ao seu lado, na cozinha, em casa, e quando Cacilda liberava-o, acontecimento de duas vezes ao ano, ela o levava para sua casa, simples de dois cômodos, cômodos grandes é verdade, no bairro de Itaquera.

Dona Mazé não tinha filhos, mas cuidava de sua mãe, idosa de noventa e dois anos, quinze destes acamadas por uma série de doenças, tendo como principal o Mal de Alzheimer. Mazé sorri ao ver a mãe, pisca para Totó, e diz, que filhinha linda eu tenho, não acha Totó?

Ela disse Totó, passa em sua mente, ela pode. Sorri em retribuição, quase balbuciando mamãe, mas o sorriso faz sua parte. No banho da pobre velha,privilegiada por ter tal filha tão abnegada; Mazé a troca, coloca sentada voltada para o quintal de terra, cercada de plantas, muitas: violetas, samambaias, flores; a hortinha com seus repolhos, couves, salsinhas e cebolinhas.

Prepara a refeição pra mãe, uma sopa pra lá de cheirosa! Totó se farta, vendo-a alimentar sua mãe, acha tudo perfeito. Emudecida e quase paralisada, a mãe olha pra Totó e sorri largamente. A filha aproveita e enche-a de beijos. Na mente de Totó, é a mais pura aceitação de um novo membro da família. Após os elogios pela deliciosa refeição, Totó lava os pratos e talheres, passa pano na cozinha, coloca o lixo pra fora, sente um gosto de sal nos lábios, são lágrimas descendo, sem ele sentir.

Mazé percebe, dá um abraço apertado, o chama de filho, poe sentado, a velha já está deitada, conta uma história de quando era criança, história muito engraçada. Totó  ri muito gostoso, manda o medo pra bem longe. Aos poucos, tudo fica escuro e os atores dormem. Ele sonha um sono glorioso, onde está sendo desejado, não quer mais acordar, ora pra que a noite não tenha fim.


TEMPERANDO AS CHAGAS


Cada passar de ano, dois dias eram especiais, duas escapadas da realidade miserável. Sua querida mãe, Mazé, fazia questão, e nestes alívios aguardados, incluiu também Daniel, o Zinho. Pareciam irmãos, mesmo sendo mais sério, era perceptível seu contentamento. A negra era observadora, queria o melhor para os meninos. Reservava um tempo para que lessem; inicialmente o pretexto era que não sabia ler. Lê pra mim filhos. A empolgação era tamanha, que despercebiam a intenção abnegada da nobre alma.

Os meninos liam bem, pareciam bem instruídos. Tomaram gosto pela leitura. Escolhiam bons livros, e liam para a ouvinte mais atenta e bondosa que já tiveram. Enquanto Zinho sonhava em ser advogado, ou quem sabe juiz de direito; Totó cozinha, se esforçando a aprimorar sempre. Era raro Totó não ir cozinhar, sempre inventava algo novo, especial; esses momentos com a família eram especiais.

Passado o furacão adotivo, que esvaziou o orfanato; naquela manhã chuvosa de verão Totó percebeu Zinho triste e misterioso. No quarto, arrumava sua mala, couro envelhecida. Fecha com cuidado. Olha para o indagador. Totó paralisado, entende que sua hora chegou, ele vai embora.

Daniel, amigo e irmão, quatro dias mais velho do que Totó, explica que acaba de ser adotado. Quatorze anos e nunca lhe escondi um assunto se quer, a mente de Totó trabalhava. A vontade era de socar Daniel, quem sabe ele fica. Seu traíra! Percebe que Zinho também está sofrendo.

A raiva é empurrada, socada, desprezada e, num abraço forte, Totó chora, agarrado ao seu único bem, a quem quer bem, a quem ama como irmão,. Mas não se ouvia palavras, gemidos não pronunciados eram inteligíveis. Totó sente como uma facada entrando no seu peito, e seu sangue derramando pelos olhos. A hemorragia não quer se estancar. Os outros poucos meninos, observam respeitosamente a dor.

Dona Cacilda entra juntamente com Mazé, avisa aos internos que Daniel de Tal foi adotado pela Maria José e, todos poderiam se despedir. A fila pequena e amargurada pela sorte alheia, despede-se, pedindo a Deus que não demore sua vez. Cacilda de alma lavada vê Totó se acabar em lágrimas. Diz a ele pra sorrir.Ele responde que uma só pessoa sorri por todos, basta!. Retira-se desconsertada, mas vitoriosa!

Mazé explica que depende do juiz, e quem estava na frente dele era Daniel. Totó por dentro grita: Cacilda, maldita!
Eu não desisti de você, meu talentoso filho, meu chefe. Lembra de sua avó? Ela queria isso, e fé em Deus, eu vou conseguir sua guarda também. Viveremos como família. Você é meu tesouro. Totó sorri, cortando o choro, balbucia que a ama. O abraço dos três, fortalecem-no. Os demais meninos automaticamente se incluem naquele afeto.


DANDO A VOLTA POR CIMA


Oito anos se passaram, Totó já há dois era o responsável pela cozinha, pelos horários e alimentação. Zinho, a quem visitava duas vezes por ano estava cursando seu último ano de direito, aplicado, sério por índole e, louco pra começar a advogar. Nos encontros com Totó  podia lhe expor o que aprendia, claro que caiam nas risadas.Mazé já avançada em anos, cabelos branquinhos, como véu de noiva, ironicamente a vida lhe dava um, que não ganhou no altar, enfeitando-a. Chama Totó. A velha aprontava o café; a seu pedido Totó faz um bolo de fubá, e em pouco tempo estão tomando café com bolo quente. Zinho come muito, a família está feliz. As xícaras, a mesa o bule e o café, testemunham para nós.

A mamãe querida, pega nos braços de ambos, e mostra a Totó como ampliou a casa, e como esta o quarto dele. Emocionado pela consideração, beija, beija, beija muito sua velhinha.

Em pouco tempo. Totó consegue emprego numa grande indústria, o de chefe de cozinha. Levava sua vida  sem muita ambição, pois o que mais queria, tinha alcançado. Zinho vivia falando pra ele terminar os estudos e cursar uma faculdade. Continuava com sua vida despretensiosa.

Chegou a formatura do mais novo advogado, Daniel Gracioso Santos e Silva, Mazé dançou com os dois filhos. A formatura era mais dela do que de Zinho. Danielzinho chega próximo de Totó, e reverentemente pede que conceda aquela valsa. Totó achou estranho, mas se despiu de preconceitos, dançou. Zinho aproveitou para lhe contar que sua namorada estava ali. Ele falou em se casar. Emanuelle, era o nome da pretendente, advogada formada e na ativa. Na mais tradicional faculdade de direito se conheceram. Totó olhou para a loira que enciumada, esperava sua vez. Zinho dirigiu-se a valsista, que lindamente fez par com ele, pelo restante da noite. Com chave de ouro, Zinho a pede em casamento e recebe um estridente sim.

Zinho, logo estava trabalhando e em meses casou-se, foi pra longe, não podia mais viver aquela vida, já que assumiu a que estava escrevendo. Conseguiu ser juiz de direito.

Totó, continuou com sua vida descomplicada, quando completou a maior idade, foi morar com Mazé, que fez questão de registrá-lo como filho. Não pode desfrutar de sua convivência, pois Mazé logo adoecera   das mesmas doenças da mãe. Totó pagava uma enfermeira pra cuidar dela na semana, nos fins de semana, ele pessoalmente se envolvia nos cuidados.Mazé, veio a falecer, a casa de Itaquera, antes pequena, tornou-se grande, mas Totó não se desfez deste objeto de alegria. No bairro, todos conhecem sr. Antonio, Totó.

Um dia, ele explicou por que sempre sorria. Quando Mazé faleceu, em seus braços, suas últimas palavras foram:  Você é um menino de ouro, meu menino de ouro. Ela o fez sorrir. Da próxima vez que encontrar um senhor idoso, negro, pras bandas de Itaquera, escute o que ela vai dizer, se for Totó, com certeza irá dizer:
Prazer! Sou Antonio...(sorrindo).


















INSATISFAÇÃO

O som peculiar de uma janela se abrindo, não seria despercebida se não fossem tantas outras a imitá-la. Lúcia, aos vinte e poucos anos, braços apoiados na janela, insiste num passado de décadas. Em seu saudosismo imaginário, conta as vacas e os bois no cercado, ouve carroças passar vendendo os mais variados produtos. Chega até fazer um não com o dedo indicador para o leiteiro que segue destino. Campos floridos e, logo atrás, visualiza a sede da fazenda "Reino Encantado". Vê algumas moças apressadas em lavar, trazer água, colher verduras, todas a sorrir, podia Lúcia imaginar que falavam de namorados. Ela sorri levando a mão à boca.

A grande centenária, guardiã da porteira e da fazenda, magnanimamente fornece sombra e frutas, demarca o lugar. Pássaros aos monte, circulam livremente, alguns descansam, quer nos seus galhos, quer nos cafezais. Sente o aroma do café torrado; as fezes das vacas exalam uma vida mais saudável. Repentinamente, um barulho, uma pancada forte seguida por buzinadas, trazem-na de volta ao interior urbanizado, o que se tornou aquela cidade. Observa o acidente leve sem vítimas humanas e, assustada vai até a cozinha beber água. Pensa que feliz era sua avó que viveu em tempos memoráveis, a anciã repetia-lhe todas as noites suas aventuras.

Gorda e baixinha, ela se imagina de cabelos longos negros, olhos pérolas negras, dentes na perfeição de anúncios na mídia, coloca a mão na cintura, pensa que a Vogue pagaria uma nota só para bisbilhotar. Num pulo ao quarto, volta com adornos e adereços. Delira com sua magreza irreal.

Ao lado de seu sobrado, Fabrícia apoiada na janela, fixada ao panorama sem graça (opinião dela), do vai e vem de carros, do progresso da cidade; suspira e cena muda. Um grande e luxuoso shopping center, com um astronômico estacionamento informatizado, e todas as facilidades de uma vida moderna, sonhou com um emagrecimento rápido. Viu o que mais sonhara, o paraíso do esteticismo e cirurgia plástica. Até pensou em casar com um cirurgião boa pinta. De repente, um barulho, uma pancada forte seguida por buzinadas a faz observar, rapidamente dirige-se a cozinha e toma um pouco de água. Nas pequenas goladas imagina que feliz será sua neta, quando a quimera realizar-se.

Magra, alta, pensa que está muito gorda e precisa fazer regime. Horrorizada de pensar que engordara mais, veste uma roupa própria para ginástica e sai a correr, tentando acabar, neutralizar sua gordura irreal.


sábado, 5 de maio de 2012

Florescer aos Dezoito

Nanda, dezoito anos, olhos esverdeados; por família, simpática e de conversa muito agradável. Aquela menina mulher de corpo estonteante, escondia um desejo muito peculiar a espécie, queria ganhar flores. Quem poderia imaginar que ao primeiro ramalhete de flores, Nanda se desmancharia de puro prazer, satisfação e contentamento.

Qual ela gostava mais? Será de rosas, begônias, cravos, margaridas, violetas, do campo ou silvestres? A sua preferência era simples: FLORES. Quando ganhou seu primeiro buquê de rosas (cor-de-rosas) até chorou. Sua mãe com grande sensibilidade havia lhe mandado as rosas. Comprou as mais bonitas, rosas preparadas para uma mulher menina receber.

Ela por uma semana e meia sonhou, esmoreceu, parecia estar completa. As flores começaram a morrer, murchar, mesmo com todo o cuidado de suas delicadas mãos, prestativas, uma botânica nata. Os sonhos de Nanda e sua esperança de que alguém lhe mandasse flores, era regada com seus sentimentos mais íntimos e iluminadas pelo sol.

A cada umedecida, seus olhos tinham vida, ao cair da mais pequena pétala, balbuciava um elogio para que a flor conseguisse perdurar.

Teor de Autor

Janela aberta, ensombradas, as cortinas junto à mesa do escritor, autor outrora doce, apaixonado pela vida. Conhecedor por inocência, e por que não ingenuidade das peripécias que passamos. Um vinho bom doce autor, preserva seu teor. Tu eras radiante, feliz, puro, de castas uvas, não oxidado ou bouchonné. Ah, tempo que lhe foi implacável, sem compaixão; tantos problemas, tantas decepções mudaram a sua qualidade.

Mas digo-te, admiro-o! Aproveite o tempo que tens, o vento agora está a seu favor. Sua escrita pode novamente recompensá-lo para o bem, oh! meu doce e prezado autor.

ELIZABETH, VITORIOSA!

Lindo dia de cores,
meu amor trouxe-me flores.
A passarada a cantar, cenário
lindo, sol a brilhar.

Nas suas mãos há o toque da
paz, que me refaz, apraz.
Olhos castanhos iluminados
pelo amor, por meu amor.

De mãos dadas saímos passeando,
eu sonhando, variando por um
beijo, doce beijo teu.

A vida passa, horas voam e
querem te levar, por favor espere.
Há algo, quero te falar.
Sois meus jardins enfeitados,
cantos de pássaros, ternura de
uma figura discreta, lisonjeira,
que desde a primeira, ganhou meu
ser.
Dei-me por vencido.

ACASO DE TAL

Parecia estranho aquele menino, Murilo de Tal. Se não o conhecesse o teria por esnobe, ou no mínimo, lunático. Nas ruas, as sombras frias das árvores com suas brechas, o imponente sol, obrigava a penetração de seus raios. Ali e em quase todas as ruas, meninos arfam por um gol, o suor desce nas faces: de alguns contorna o riso, e de outros a frustração e raiva.

Em meio aos palavrões, surdamente seus genitores concentram-se em varrer calçadas,  lavar seus carros, casas, consertos, suas refeições, indas e vindas: não há repreensão. O cantar dos pássaros, bandos coreografados de andorinhas, bicos coloridos e radiantes, Murilo de Tal, aos oito anos, sentado num banco de tábua, sobra de construção, que nas vilas proliferam.

Em sua concentração profunda, estas coisas passam por alto; o livro sim, bendito livro que o fazia viajar pelo universo, atravessar galáxias, sentir uma realidade que não era a sua. Uma voz forte ressoava, lembrando-o de sua responsabilidade para com o quarto. Era sua mãe, Dona Celeste, mulher forte, senhora é bem verdade; séria pelo semblante, mas um coração que não lhe cabia por tamanha generosidade. Claro que era ávida nos assuntos alheios, nos acontecimentos da vila. Quanto aos assuntos de Murilo, seu interesse desvanecia.

De boca em boca, a desgraçada populaça, contava sobre a pobre viúva, que adotara Murilo, e nas línguas apimentadas, sua nobre atitude era traduzida por desvaneio e loucura. Murilo continuava lendo, na esperança de encontrar um mundo melhor. Ele lia.

quinta-feira, 3 de maio de 2012

MILITO

Milito é um gato muito arisco
o tempo todo a brincar,
mas quando esta dormindo,
não gosta que venha incomodar.

Quando está com fome, 
seu miado se ouve, ração
na vasilha Milito seu miado esfria.

Quer usar o banheiro, sai avisando
não atrapalha que estou chegando.
Com a pata encobre o lixo, sai se lavando.
Eta fedor da gota, prossegue a dona falando.

Limpinho, Milito brinca, pula, quer
conversar, depois dorme e parece
não querer acordar.

Amarelo, peludo, um rabo como espanador,
Milito faz parte da família,
dá e recebe muito amor. 

terça-feira, 1 de maio de 2012

Coisas do Coração

Bem alto os olhos de Dona Miloca, assim conhecida por todos, parece ver além da neblina, muito além da poluição. O décimo quarto andar daquele prédio, no coração da metrópole cosmopolita, a colocava numa posição privilegiada. Mas seu olhar não fazia caso, a levava pra quando menina no interior. Parecia sentir o cheiro do café que a mamãe fazia, com suas mãos calejadas pelo ofício. Ofício comum da região, o de boia fria. Incomumente, Dona Miloca levantou às quatro da madrugada, as lembranças foram mais fortes que o sono, como se fosse possível sonhar, aos oitenta e dois anos de idade, você vive ou leva seus sonhos para a terra.


Lembrar do rosto da figura amada, generosa provisora, sisuda, abrilhantavam seus olhos. Ao passar das horas, sorrisos e risadas com lágrimas, parecia endoidecer com suas lembranças. Logo desperta, a vida na sala, sua neta adolescente na correria se apronta para ir ao colégio. Dona Miloca se poe a servir, já por anos fazia isso, quer triste ou feliz, o sentimento não podia ser levado em conta. O olhar veterano, cansado, avisava desesperadamente que precisa conversar.


Eloísa, dezesseis anos, um pouco acima do peso (que ela não saiba disto), aplicada nos estudos, de pouca fala e menos amigos. Sensível, percebe a estranheza da avó.Com empatia, segura as mãos trêmulas da guerreira, enrugadas, ásperas, olha nos fundos de seus olhos e implora: Conta, vó, conta pra mim. A idosa pensa: Meu Deus! Ela cresceu e age tal qual sua avó. Com a boca aberta ensaiando falar, as duas jaboticabas solícitas pacificaram-se e a nostalgia começou a ser ouvida.


Eloísa promete que está pro que der e vier. Abraçam-se e gargalhadas e beijos parecem sincronizados.Aprontam-se rumo ao interior, escolhem um feriado conveniente em que a extensão da família, filha, genro e neta, apoiam loucamente Dona Miloca. No trajeto de ida pra cidade dos sonhos, a anciã não se cansava de falar de particularidades da cidade, da fazenda, de como tudo era bem organizado.  Ao chegar na cidadezinha a verdade não condizia com os sonhos, a boca falava e os olhos não podiam processar como verídico. Dona Miloca, sai correndo, e mostra o que restou da fazenda que hoje divide terreno com o cemitério, a única coisa de pé é a velha mangueira. As pessoas, suas conhecidas, já não existem mais, o vilarejo abandonado, Dona Miloca, a Miló, corre abraça a mangueira e diz sussurrando coisas que a cúmplice sabia muito bem. Chorou, se alegrou, dentro dela, estava de volta ao seu paraíso.


Olhares ternos, misericordiosos, mas também alegres, se encontram, e na subjetividade do pensamento, vem uma certeza, a felicidade está onde o coração a vê.

Postagem em destaque

"ESPERAREI"

Esperarei domingo; Esperarei sorrindo; Esperarei sonhando; Esperarei dormindo; Esperarei um amigo, Um abrigo, um lindo dia de sol.