sábado, 26 de janeiro de 2013

O Cabeça

Ele quis se impor, era mais uma de muitas tentativas. Ora, aprendera que o varão é dotado do privilégio legal e divino da dianteira, de tomar decisões e contar com o pleno apoio de sua ajudadora. Endossando o ego masculino e a lei, era só girar o pescoço e ver as inúmeras famílias da vila orientadas pela bússola moral. Leandro reivindicava seu direito aos pés de Simone, que herdou da mãe o direito de mandar, manobrar e chantagear para conseguir as consecuções de suas intenções.
Dizia o quarentão: Não pode, você precisa me respeitar. Não pode! A mulher abria a boca como uma metralhadora destroçando todos os argumentos de Leandro, que frustrado ia dormir. Buscava um sonho em que ele realmente mandasse alguma coisa. No trabalho, na vizinhança, em qualquer lugar, o pobre homem não conseguia se posicionar; em sua deficiência entregava-se aos resmungos, que o aliviavam da dor da vergonha.

sábado, 12 de janeiro de 2013

O SUICÍDIO

Voltava Euluan muito triste, decepcionado com suas expectativas quanto ao amor. A pessoa que ele estava cortejando lhe tratava bem, fez questão que conhecesse os seus pais; moravam no Jardim Record, em Taboão da Serra, na grande São Paulo. Houve uma ocasião que até dormiu em sua casa; as coisas estavam se encaixando. Euluan não podia mais viver longe daquela figura; respirava, comia, bebia e se desgastava por ela. Ela tratava todos bem, e este era o problema, dava beijos na boca de outros, mostrando sua imensa intimidade com terceiros, mas com Euluan, a coisa era parental, um amor storgé.  Como pavão, Euluan abriu-se, mostrou suas qualidades, o que tinha de melhor aos dezessete anos. Brigou, e sua pior briga era interna. Decidido agora a namorar e casar, tomou um banho como preparação de seu corpo, apanhou sua melhor roupa, usou um perfume de fragância ousada. Saiu de sua casa no Morro do Cristo (um lugar conhecido por suas tantas escadarias que acaba na imagem, replica menor do Cristo Redentor do Rio) desceu as escadarias em direção a Rodovia Regis Bittencourt (BR 116), pegou o coletivo intermunicipal.
Certo de que receberia um sim, treinou alguns beijos em sua mão esquerda; não queria fazer feio, quis viver aquele momento. Desceu próximo a antena da Record e foi andando, já era início da noite. Bateu palmas, ela veio, pediu para entrar, quando na sala, depara-se com o rival bem juntinho. Visivelmente desconcertado, pede licença para trocar duas palavrinhas. Em particular pede-a em namoro, recebe seu não. Cavalheiramente despede-se dos pais, do arqui-inimigo e da amada, a cabeça não está baixa, sai, andando ao luar, sua sombra cabisbaixa o revela. De volta ao bairro, rejeitado, no lotação lança luz pro seu problema: suicídio. Arquiteta descer na praça central, subir em uma passarela e descer, se jogar, acha-se um lixo. Conta um, dois, três; levanta-se e aperta a campainha, o ônibus para três pontos depois do alvo. Pensa: que trabalheira morrer, desiste por hora, continua andando para casa nocauteado.
Anos se passam e, em seu trabalho recebe uma ligação dela, convidando para se encontrarem, saírem juntos, relembrar os bons tempos. A negação volta a sua mente, ele responde que não pode. Desliga o aparelho e dai por diante se suicidou pra ela, nunca mais deu atenção à ela.

terça-feira, 1 de janeiro de 2013

Saudosa Teimosia

As margens do rio que separa São Paulo de Minas Gerais, há uma grande população ribeirinha. Vó Delminda cuidava de seu sítio; a veterana reclamava de tudo e, em suas veias junto com o sangue, tinha a substância da teimosia derramada generosamente. Na chácara, havia muitos patos, galinhas, coelhos e várias plantações.
Uma barragem acima cedeu, a rádio local deu o alerta para todos deixarem suas casas; mas vó Delminda queixava-se. Em toda sua vida nunca havia ocorrido, e não seria agora que as águas entrariam. Seu primogênito filho, José Augusto, tenta convencê-la; a anciã repete o discurso de quantas e tantas acontecera e nunca entrara um pingo dágua. Sentaram nos degraus que dá de frente ao rio; a matriarca finca um bambu no leito pra medição, pelo sim, pelo não. O rio sobe vagarosamente, de repente, uma vaca passa num pedaço de barranco rio abaixo. A correria se faz necessária, vó Delminda coloca os poucos bens pra cima; seu filho corre até a cidade em busca de um caminhão pra retirar o que a vó gosta.
Em seu regresso, tudo era rio, entrou com dificuldade na cozinha, e eis, vó Delminda em cima do fogão dizendo: Não! Logo, logo abaixa; no passado não demorava nada...

Sinuosamente Direito

Alto, magro, meia idade; seu andar manco chamava à atenção. Era formado em direito, advogava pela região, principalmente nas vilas ribeirinhas de Igarapava - SP.
Era mais conhecido como unha-de-fome, deixando seu profissionalismo coadjuvar. Certo dia, estava doutor Francisco, vulgo Chicão no popular, em seu fusca pela estrada de terra, quando sente que o carro passou em cima de algo. Desce, analisa o porco a uns duzentos metros e, começa a maldizer o dia. O camponês que de longe ouviu o acidente, se aproxima e começa com a ladainha conhecida dos prejudicados. Chicão quase atrasado para o compromisso, tira uma nota de dez pesarosamente do bolso, quase não consegue dá-la ao caburé; entra no carro, agora mais preocupado com a perda dos dez do que com sua obrigação. Segue o caminho; em seu retorno à noite, para no sítio e quer o porco que comprou. O matuto em sua simplicidade, explica-lhe que fora transformado em ítens de uso diário, e que com a indignação suposta de Chicão, propõe devolver-lhe seus dez. Chicão lhe diz: Não! O porco é meu. Pague-me quinze.

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"ESPERAREI"

Esperarei domingo; Esperarei sorrindo; Esperarei sonhando; Esperarei dormindo; Esperarei um amigo, Um abrigo, um lindo dia de sol.