segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

A REVIRAVOLTA NA FAZENDA

Queria Dona Inácia refrescar-se do atormentador calor tropical, sua quimera era uma cachoeira de águas gélidas tão abundantes neste interior paulista. Com seus quase sessenta anos, corpo volumoso, poucos fios de cabelos enfeitam sua cabeça. Esbraveja chamando Nena, sua criada que adotara para tal, negra, dezesseis anos, corpo admirável em polegadas; a menina parecia um bibelô de tão delicada.
- Faça algo, ou não te importas que esse calor me consuma?
- Claro Dona Inácia, preparei até um refresco de acerola geladinho para refrigerar vossa alma. Responde a dócil donzela.
- Bons tempos aqueles que eu não precisava nem pedir, não é Nena?
- Trouxe também um pedaço de bolo de laranja, o seu predileto!
- Dá-me cá, depois as pessoas fazem observações grosseiras a respeito das minhas medidas, sim, você me entope de iguarias, como resistir?
Os doze cachorros do casarão passam a latir em direção ao portão da entrada, entrada que fica à trezentos metros da sede.
- Tem visita Senhora!
- Ora, deve ser o padre Antônio, havia combinado de ser generosa com a igreja por este mês.
- Engraçado, não parece ser o padre não. Um jovem montado em seu cavalo preto nunca o viu por essas bandas. Narra à menina fitando os olhos no mancebo.
- Chama Necésio e os capangas, e peça que indagues do menino o motivo de sua vinda.
A negra sai apressada no sentido contrário, na vila dos funcionários e num tom desesperador procura Sr. Necésio, o administrador das “Três Fazendas”. Necésio, cabelos brancos, cinquentão, viúvo, sisudo; olha o apavoramento da moça escutando-a, sobe em seu cavalo e vai calmamente em direção ao portão.
O jovem educadamente o espera do lado onde às sombras dos grandes Jatobás o protegem. Na cavalgada, Sr. Necésio mira o jovem, desconcertando-se, lembra-se das mulheres e suas noitadas. O jovem tem sua fisionomia, o que será que veio fazer por estas bandas? Será que está em busca do paradeiro de seu pai? Endurece sua postura mais que o normal.
- Bom dia! Segue-se um exame da cabeça aos pés.
- Bom dia! Gostaria de conversar com Senhor Necésio, o administrador da fazenda.
- Pois não. Responde apeando de seu cavalo. Incentivado, o jovem mulato, musculoso, cabelos negros, um e oitenta de altura, passa a descer de seu cavalo.
- Gostaria de um emprego, sou acostumado com a rotina e amo esta vida na fazenda.
- Eu não estou precisando de um aprendiz e sim de um homem formado.
- Creio que o Senhor não quis me ofender, assim sendo, coloque-me, por favor, em qualquer setor das “Três Fazendas” e saberás minha utilidade.
- Ousado! Arranca um pedaço de capim e mastiga, começa a meditar num ofício para o rebento.


Na entrada das “Três Fazendas” havia as colunas que formavam arcos, os portões de sólidas madeiras de imbuias, alcançavam os quase quatro metros. Quem adentrasse sairia na sede, propriedade de Dom Criosbaldo Sotela Vene e de Dona Inácia Jordão Reis Sotela Vene; neste percurso admiração pelo capricho da natureza com o zelo do Homem, resultando em arbustos, gramas e flores no cenário principal, coadjuvando ao fundo uma variedade de árvores frutíferas. Ao olhar para esquerda, avistaria o gado no pasto, três mil cabeças que lembravam nuvens cobrindo a terra. À direita, encantaria com o imenso lago artificial acompanhado por um laranjal, milharal e cafezal, tudo muito distante do outro. Perceberia que os trabalhadores cultivam e cantam. Passando a sede, o casarão, temos a vila dos trabalhadores com suas cento e vinte casas, mulheres com crianças descendo em direção ao rio para lavar roupas, o rio é o Potibari, que nasce na cidade de Melquisedeque, próxima a Palestina, no grande Estado de São Paulo.
Entretanto, nos concentremos na sede, o casarão das “Três Fazendas”, onde doze empregadas trabalham, sendo três cozinheiras, duas lavadeiras e duas passadeiras e cinco para limpeza e arrumação. Dona Inácia não possui governanta, pois ela mesma verifica o trabalho interno e Senhor Necésio o trabalho externo. Há quarenta e seis dependências no casarão: uma cozinha interna para preparação dos alimentos e uma externa para cozinhar nos fogões a lenha; cinco salas, duas de estar, uma para reuniões e duas de jantar; dezesseis banheiros e dezesseis quartos; quatro dispensas e três áreas comuns para visitação. A decoração colonial se requintava com um piano entre as duas salas de estar. Na parede que dá de frente com as escadarias do andar superior, um quadro “Moisés Salvo das Águas” de Nicolas-Antoine Taunay, muita reflexão. Dom Criosbaldo o havia comprado do próprio Taunay numa de suas viagens ao Rio de Janeiro.









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"ESPERAREI"

Esperarei domingo; Esperarei sorrindo; Esperarei sonhando; Esperarei dormindo; Esperarei um amigo, Um abrigo, um lindo dia de sol.