ÓRFÃO DE PAI VIVO
Lá estava eu, aos sete anos, três horas da madrugada, assim
declarava o relógio de parede, pronto para carregar as caixas de madeiras até a
feira de rua. Papai levava as mais pesadas, eu e outros dois irmãos, levávamos
as demais. Era uma escadaria quase que interminável, uns quarenta minutos
andando. Eu, magricela, esforçava em suportar aquele peso, pois papai vendia
peças para fogões, panelas de pressão e afins. Papai era um homem alto, moreno
e magro, usava um bigode bem aparado, tinha um senso de humor muito apurado com
o público, daí seu sucesso nesse negócio. Mas com a família, ele pouco sorria,
era extremamente exigente, muitas vezes usando de força para mostrar sua
autoridade.
Num desses dias de feira, meus irmãos mais crescidos, deram
um basta nesta vida, conseguiram se colocar no mercado de trabalho formal e não
eram mais obrigados a ajudar papai. Achava estranho o distanciamento, pois eu
gostava de estar com ele, afinal, era meu exemplo varonil. Então, peguei as
caixas de madeiras e fui colocando num carrinho feito sobre medida para as
feiras. Havia repartições onde guardávamos as caixas; as rodas iguais as de
bicicletas, só que maiores e mais resistentes; se transformava em uma banca
prática com um grande tabuleiro e lugar para abrir o guarda-sol. Arrumávamos e
estávamos prontos para vender os acessórios e fazer os devidos consertos em
panelas, bules, chaleiras, etc. e etc.
O sol daquele dia estivera insuportável, mas o que me
queimou me ressecou por dentro foi ver meu pai falar ao bananeiro, que eu era um
moleque de rua, um marginal e ele estava me ajudando. Entendi deste dia em
diante o afastamento da prole.
O bananeiro com sua enorme barraca gritou pra eu levar
algumas caixas de bananas passadas, anteriormente eu havia levado, não sabia o
real motivo de seu ato, mas agora era diferente, um insulto, uma humilhação.
Respondi que se quisesse banana eu compraria.
Sendo uma das últimas vezes que laborava em feira livre,
iguais aos outros, preferi trabalhar com estranhos, pois me sentia órfão, órfão
de pai vivo.