BALÉ CANINO
O amanhecer na cidade de Bady
Bassitt, SP é quase sempre inspirador. Rodeada ainda por muitas fazendas e
chácaras, suas muitas árvores atraem as mais belas aves, que se posicionam nos
galhos, nos arbustos, nos bois e gramas para saudar um novo dia! Dos conhecidos
pardais saem seus sons, os periquitos-de-encontro-amarelo somam-se devagarinho
ao concerto, o pica-pau se ajeita o tiziu imperativo não para, os bem-te-vis
roubam a cena com os seus chamados, os beija-flores vão completando a
coreografia junto com uma nuvem de borboletas; o tucano já está a rigor para
receber o dia. Quem para, escuta uma linda sinfonia, sim, que lembra a
composição de Johann Sebastian Bach, de 1716 denominada “Jesus bleibet meine
freude”, mais conhecida como “Jesus, a Alegria dos Homens”. Parece que instintivamente sabem louvar ao
Pai e ao Filho por um novo amanhecer.
Totalmente renovado, deparo-me
com uma cadela, vira-lata, de pelagem marrom claro que está prenha. Ela surge
nos portões de seus fornecedores por volta das onze horas da manhã. Suas muitas
marmitas estão em pontos estratégicos que só ela conhece; quando uma falha, ela
confia em seu faro e vai até o endereço certo. Abocanha feito uma esganada,
antes de partir, emite dois latidos que entendo qual agradecimento. Sai
contente abanando seu fino e cumprido rabo. O tempo, esse amigo bondoso e às
vezes inimigo não piedoso, ocultou o seu sumiço, sua ausência e saída do
cenário. Passam-se algumas semanas e sinto falta dela. Depois de me encantar
com mais uma sinfonia pela manhã, eis que surge a nova mamãe do pedaço, seus
dois filhotes estão seguindo-a. Ela bate com a pata esquerda no portão enquanto
sua direita puxa a marmita para fora auxiliada por seus dentes. Começa então uma
linda dança, um ritual para se alimentarem. A matriarca olha para a marmita, dá
três patadas ao chão e vai voltando cinco passos para trás, seus filhotes dão a
mesma quantia de passos para frente e olham fixamente para o alimento. Um
uivado na retaguarda os põe a saborear, devorar até a metade do vasilhame. Eles
param como que treinados e dão os passos para trás em dupla. A cadela não
volta, e determinada bate a pata direita novamente e os aprendizes avançam
impetuosamente encerrando aquele ato. Ela se põe de pé, late em minha direção,
os dois também agradecem do mesmo modo e saem subindo a rua. Quando dei por
acabado aquele balé, surge ela, sozinha, vai até o monte de areia que está na
calçada, com jeito fuça e sai com um pedaço enorme de frango e vai se deliciar
longe dos olhos alheios. O vento começa a soprar, balança a acácia imperial com
seus cachos de flores amarelas que caem, embelezando a calçada e mandando
pétalas de flores para os grandes artistas da ocasião.