domingo, 6 de maio de 2012

INSATISFAÇÃO

O som peculiar de uma janela se abrindo, não seria despercebida se não fossem tantas outras a imitá-la. Lúcia, aos vinte e poucos anos, braços apoiados na janela, insiste num passado de décadas. Em seu saudosismo imaginário, conta as vacas e os bois no cercado, ouve carroças passar vendendo os mais variados produtos. Chega até fazer um não com o dedo indicador para o leiteiro que segue destino. Campos floridos e, logo atrás, visualiza a sede da fazenda "Reino Encantado". Vê algumas moças apressadas em lavar, trazer água, colher verduras, todas a sorrir, podia Lúcia imaginar que falavam de namorados. Ela sorri levando a mão à boca.

A grande centenária, guardiã da porteira e da fazenda, magnanimamente fornece sombra e frutas, demarca o lugar. Pássaros aos monte, circulam livremente, alguns descansam, quer nos seus galhos, quer nos cafezais. Sente o aroma do café torrado; as fezes das vacas exalam uma vida mais saudável. Repentinamente, um barulho, uma pancada forte seguida por buzinadas, trazem-na de volta ao interior urbanizado, o que se tornou aquela cidade. Observa o acidente leve sem vítimas humanas e, assustada vai até a cozinha beber água. Pensa que feliz era sua avó que viveu em tempos memoráveis, a anciã repetia-lhe todas as noites suas aventuras.

Gorda e baixinha, ela se imagina de cabelos longos negros, olhos pérolas negras, dentes na perfeição de anúncios na mídia, coloca a mão na cintura, pensa que a Vogue pagaria uma nota só para bisbilhotar. Num pulo ao quarto, volta com adornos e adereços. Delira com sua magreza irreal.

Ao lado de seu sobrado, Fabrícia apoiada na janela, fixada ao panorama sem graça (opinião dela), do vai e vem de carros, do progresso da cidade; suspira e cena muda. Um grande e luxuoso shopping center, com um astronômico estacionamento informatizado, e todas as facilidades de uma vida moderna, sonhou com um emagrecimento rápido. Viu o que mais sonhara, o paraíso do esteticismo e cirurgia plástica. Até pensou em casar com um cirurgião boa pinta. De repente, um barulho, uma pancada forte seguida por buzinadas a faz observar, rapidamente dirige-se a cozinha e toma um pouco de água. Nas pequenas goladas imagina que feliz será sua neta, quando a quimera realizar-se.

Magra, alta, pensa que está muito gorda e precisa fazer regime. Horrorizada de pensar que engordara mais, veste uma roupa própria para ginástica e sai a correr, tentando acabar, neutralizar sua gordura irreal.


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"ESPERAREI"

Esperarei domingo; Esperarei sorrindo; Esperarei sonhando; Esperarei dormindo; Esperarei um amigo, Um abrigo, um lindo dia de sol.